domingo, novembro 19, 2006

Uma Breve História do Caos: o fim do século XVIII.

Em oposição a seus antecessores, David Hume (1711-1776) parece inaugurar um novo pensamento sobre o caos. A partir do filósofo escocês, a muralha que supostamente dividia a fronteira entre o mundo da ordem e o da desordem começa a dar sinais de desmoronamento. Embora apareça de forma sutil, o grande marco dessa união humeana entre caos e ordem é um texto publicado postumamente em 1779. Trata-se de um diálogo onde Philo (um dos personagens) afirma o seguinte:

“Em todo caso, embora revoluções inumeráveis produzam afinal algumas formas, um caos, cujas partes e órgãos se ajustam de algum modo, é garantido no fim; pois elas ganham forma sob constante mudança da matéria.”[1]

Vemos aqui um privilégio da transformação, a partir da qual surgem novas formas. Todavia, essas formas não paralisam as “revoluções inumeráveis” e a “constante mudança da matéria”. Muito embora Philo não seja o “herói” de Hume, o narrador do diálogo dá razão a ele afirmando que Philo “sugere uma hipótese nova de cosmogonia que não é absolutamente absurda e improvável.” Isso se torna claro quando o narrador se pergunta: “Há um sistema, uma ordem, uma economia de coisas, pela qual a matéria pode preservar aquela agitação perpétua que parece essencial a ela e ainda manter uma constância nas formas que produz?” A resposta é simplesmente afirmativa: “Certamente há uma tal economia”[2].

Vemos, portanto, um convívio entre a “agitação perpétua” essencial à matéria e “uma constância nas formas” produzidas. Desse modo, embora de forma pontual e incipiente, observamos em Hume como o processo de ordenação está intimamente ligado a uma contínua e eterna revolução. Nesse processo, não há qualquer esboço de conclusão, uma vez que, nas palavras de Philo, o caos “é garantido até o fim”. Talvez aí a forma ou a ordenação seja conquistada através do próprio caos e não por uma intervenção externa de qualquer ordem. Além disso, uma paralisação e cristalização em um momento final não seria possível. Dá-se aí um privilégio, não apenas do devir ou da constituição de uma forma, mas do devir forma.

Trata-se, portanto, de uma afirmação radical. Todavia, devemos nos lembrar que de modo algum essa mudança de paradigma é restrita apenas à filosofia. No mesmo período surge na política, a era das revoluções; na economia, a teoria liberal de Adam Smith; e mais tarde, na biologia, a tese da evolução das espécies de Darwin. O solo comum presente em todas essas manifestações do pensamento humano é o de que a desordem é intimamente relacionada ao estabelecimento de qualquer ordem possível. Em outras palavras, a desordem é produtiva e aquilo que ela produz pode, inclusive, ser algo de desejável.

Notas:

[1] HUME, David. Dialogues concerning Natural Religion. In: ______. Hume's Dialogues concerning Natural Religion, p. 184. Ver também a tradução alemã em HUME, David. Dialoge über natürliche Religion, p. 92-93.
[2] HUME, David. Dialogues concerning Natural Religion, p. 183.

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